quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E O § 3º DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Introdução
O dispositivo em questão foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que pôs em vigor a reforma do Poder Judiciário, suscitando desde logo viva controvérsia em doutrina. O objetivo deste trabalho será então analisar os mecanismos de recepção dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica nacional brasileira, assim como sua hierarquia constitucional, notadamente à luz do § 3º do art. 5º da Constituição Federal. Será considerado especialmente o contexto normativo interno da Câmara dos Deputados, procurando identificar quais as implicações da citada inovação constitucional para o processo legislativo nesta Casa.
A polêmica acerca da recepção e hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos
Desde a promulgação da Constituição de 1988, parte significativa da doutrina sustenta a hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, que seriam incorporados como tal automaticamente ao ordenamento jurídico interno brasileiro. Essa posição fundamenta-se na interpretação de dois dispositivos do art. 5º da Constituição: o § 1º, que dá aplicabilidade imediata às normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, e o § 2º, que dispõe que “os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
A principal defensora dessa corrente é a prof. Flávia Piovesan, da Faculdade de Direito da PUC de São Paulo, para quem “todos os tratados de direitos humanos, independente do quorum de aprovação, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade”, por força do art. 5º, § 2º da Constituição Federal. A todos esses, a autora reconhece status de norma constitucional, constituindo portanto cláusulas pétreas insuscetíveis de modificação ou abolição por emenda à Constituição, conforme dispõe seu art. 60, § 4º, IV. Nos termos do art. 5º, § 1º, os tratados internacionais de direitos humanos incorporam-se automaticamente à ordem jurídica interna brasileira, “sem que se faça necessário um ato jurídico complementar para sua exigibilidade e implementação”. No caso de ratificação de um tratado de direitos humanos cujas disposições contrariem a Constituição Federal, prevaleceria a norma mais benéfica à proteção da vítima, em observância a consagrado princípio de direito internacional.
O advento do § 3º do art. 5º, prossegue a autora, apenas criou uma distinção entre tratados internacionais de direitos humanos “materialmente constitucionais”, recepcionados automaticamente como norma constitucional, e “formalmente e materialmente constitucionais”, votados como Emenda à Constituição pelo Congresso Nacional. A distinção prática entre os dois consistiria no fato de que os primeiros poderiam ser denunciados pelo Presidente da República, enquanto os segundos não seriam passíveis de denúncia por integrarem formalmente o texto da Constituição de 1988. Ambos, entretanto, integrariam o bloco de constitucionalidade e estariam, como tal, imunes à revogação ou emendamento, constituindo cláusula pétrea na ordem interna.
Essa orientação doutrinária, entretanto, foi recusada pelo Supremo Tribunal Federal, que afirmou a hierarquia infraconstitucional dos tratados internacionais de direitos humanos e sua completa sujeição à Constituição Federal. O leading case na matéria é o RHC 79.785-RJ, onde o Tribunal decidiu pela “prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos”. Outrossim, o Tribunal entendeu que os “tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias”.
Merece aqui destaque a manifestação do Ministro Celso de Mello no HC 81.319-GO: “revela-se altamente desejável (...), "de jure constituendo", que, à semelhança do que se registra no direito constitucional comparado (Constituições da Argentina, do Paraguai, da Federação Russa, do Reino dos Países Baixos e do Peru, v.g.), o Congresso Nacional venha a outorgar hierarquia constitucional aos tratados sobre direitos humanos celebrados pelo Estado brasileiro”.
A outorga desse desejável status constitucional veio com a reforma do Poder Judiciário, por intermédio da relatora, Deputada Zulaiê Cobra. Seu parecer registra que o § 3º do art. 5º foi introduzido no texto constitucional por sugestão exatamente do Ministro Celso de Mello, por inspiração da Constituição da Argentina, com a finalidade expressa de pôr fim à controvérsia que grassava na doutrina de então.
Assim procedendo, o Congresso Nacional explicitou a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira, atentando para a necessidade de respeitar-se a integridade do processo de reforma da Constituição Federal. Este, vale lembrar, constitui limitação material implícita ao Poder Constituinte derivado, que está impedido de alterar o rito e as condições de modificação do texto constitucional, sob pena de elevar-se à altura do Poder Constituinte originário, rendendo inúteis as limitações ditas explícitas – o art. 60 da Constituição de 1988. Houve, portanto, uma clara opção do legislador constituinte derivado pela preservação da rigidez da Constituição, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e em rejeição à tese doutrinária da hierarquia constitucional e incorporação automática desses tratados.
O § 3º do art. 5º e a avaliação da doutrina
Posto em vigor, o § 3º do art. 5º suscitou de imediato inúmeras críticas doutrinárias. Caio Gracco Pinheiro Dias, ante a concisão do novo texto, aponta que este não permite saber a quem caberá decidir “se o tratado apresentado ao Congresso versa ou não sobre direitos humanos”, ou sobre “o rito que o procedimento de aprovação pelo Congresso deverá seguir”(grifei). Ou, ainda, qual a conseqüência para o “tratado sobre direitos humanos que não chegue a ser aprovado por maioria de 3/5 em dois turnos, mas ainda assim obtenha mais de 50% de aprovação”, ou se o novo dispositivo constitucional teria aplicação retroativa, atingindo tratados já ratificados pelo País.
No que se refere ao rito, a primeira indagação diz respeito à iniciativa para apresentar ao Congresso Nacional o texto do tratado sobre direitos humanos a que se pretende conferir força de emenda constitucional. Nos termos do art. 60 da CF e seus incisos, “A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.”
Até a presente data, não há norma regulamentar (regimental) que discipline a apresentação ou a tramitação dos tratados sobre direitos humanos a luz do § 3° do art. 5° da CF. O referido dispositivo é omisso quanto à questão da iniciativa, mas seria possível inferir-se que a futura norma não poderá afastar-se das formalidades exigidas para a apresentação de qualquer proposta de emenda à constituição.
Outrossim, não é possível inferir qual efeito que se deve dar, na ordem interna, a tratados aprovados pelo Congresso segundo o art. 5º, § 3º, da Constituição, mas que não estejam em vigor na ordem internacional – seja porque não foram ainda ratificados pelo Presidente da República, seja porque são condicionais ou a termo, estabelecendo um número mínimo de ratificações para sua entrada em vigor no plano externo. A esse respeito, Valério de Oliveira Mazzuoli observa que “não se concebe (por absurda que é esta hipótese) que algo que sequer existe juridicamente (e que pode levar anos para vir a existir) já tenha valor interno em nosso ordenamento jurídico, inclusive com poder de reformar a Constituição”.
Essas ponderações permitem reconhecer o § 3º do art. 5º como norma constitucional de eficácia limitada, cujo texto, na definição de José Afonso da Silva, depende de outras providências normativas para que possa surtir os efeitos essenciais colimados pelo legislador constituinte. Em outros termos, será necessária a expedição da regulamentação pertinente para que o texto em questão produza seus efeitos.
A Câmara dos Deputados e os tratados internacionais de direitos humanos
No sistema da Constituição de 1988, cabe à União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organismos internacionais (art. 21, I), sendo os tratados internacionais concluídos mediante a colaboração dos Poderes Executivo e Legislativo. É competência privativa do Presidente da República celebrá-los (art. 84, VIII), submetendo-os ao referendo do Congresso Nacional, que se manifestará na via do decreto legislativo (art. 49, I). Uma vez aprovado pelo Congresso, o tratado é posto em vigor na ordem interna por decreto do Presidente da República.
O tratado assinado por Plenipotenciário nomeado pelo Presidente da República é encaminhado ao Congresso Nacional por meio de Mensagem presidencial. Na Câmara dos Deputados, essa Mensagem e o respectivo tratado são distribuídos, primeiramente, à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, em seguida, às demais comissões temáticas e, por último, à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Após tramitar por todas essas comissões, o texto vai à apreciação do Plenário.
Ao analisar o texto do tratado, caso entenda conveniente aprová-lo, a Comissão de Relações Exteriores apresentará um projeto de decreto legislativo com tal finalidade.
Conforme destacou-se anteriormente, não há norma regimental que disponha especificamente sobre a tramitação dos tratados internacionais de direitos humanos. A proposição que visa a regular a matéria na Casa é o PRC nº 204, de 2005, do Deputado Fernando Coruja, que aguarda apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
O projeto elaborado, evidenciando o cuidado de respeitar o processo de emenda constitucional previsto no art. 60 da Constituição Federal, assim como de responder às indagações já lançadas pela doutrina sobre a matéria.
Seu texto possibilita imprimir eficácia de emenda constitucional a tratados de direitos humanos já em vigor, pondo fim à polêmica doutrinária sobre a eficácia desses instrumentos na ordem interna – se seriam ou não incorporados ao rol de direitos fundamentais da Constituição, por força do seu art. 5º, § 2º. O projeto incorpora a posição do Supremo Tribunal Federal, que já decidiu no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos não têm status constitucional, e deixa ao Congresso Nacional o juízo sobre quais instrumentos – já ratificados ou em celebração – poderão reformar a Constituição.
Vale destacar, entretanto, que o projeto contraria a posição adotada pela doutrina quanto ao efeito que se deve dar, na ordem interna, a tratados aprovados pelo Congresso segundo o art. 5º, § 3º, da Constituição, mas que não estejam em vigor na ordem internacional – seja porque não foram ainda ratificados pelo Presidente da República, seja porque são condicionais ou a termo, estabelecendo um número mínimo de ratificações para sua entrada em vigor no plano internacional. A esse respeito, observa que “não se concebe (por absurda que é esta hipótese) que algo que sequer existe juridicamente (e que pode levar anos para vir a existir) já tenha valor interno em nosso ordenamento jurídico, inclusive com poder de reformar a Constituição”.
A solução oferecida por Valério de Oliveira Mazzuoli seria apreciar o tratado segundo o art. 5º, § 3º, apenas “depois de ratificado o acordo e depois de o mesmo já se encontrar em vigor internacional”. Ou seja, “depois de assinados pelo Executivo, os tratados de direitos humanos seriam aprovados pelo Congresso nos termos do art. 49, inc. I, da Constituição (maioria simples) e, uma vez ratificados, promulgados e publicados no Diário Oficial da União, poderiam, mais tarde, quando o nosso Parlamento Federal decidisse por bem atribuir-lhes a equivalência de emenda constitucional, serem novamente apreciados pelo Congresso, para serem dessa vez aprovados pelo quorum qualificado do § 3º do art. 5º”.
Preocupações pertinentes:
No último dia 13 de maio, a Câmara dos Deputados discutiu e votou, na forma do disposto no § 3º do art. 5º da Constituição Federal, em primeiro turno, a Mensagem nº 711, de 2007, “que submete à consideração do Congresso Nacional o texto da Convenção sobre direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Yorque, em 30 de março de 2007. No dia 28 do mesmo mês, votou e aprovou a matéria em segundo turno.
Foi um momento inédito na história do Parlamento brasileiro, pois, pela primeira vez aquela Casa do Congresso Nacional utilizou-se do novo mecanismo constitucional para votar matéria dessa natureza(direitos humanos).
O argumento utilizado para colocar a matéria em votação, neste novo rito, porém sem um procedimento pré-estabelecido de processamento da matéria, trouxe grande polêmica, suscitando dúvidas não só no ramo do processo legislativo, mas no ramo do Direito positivado, quanto à sua validade.
Importante salientar que a matéria chegou ao Congresso Nacional, via mensagem do Executivo, onde o Ministro das Relações Exteriores Sugere ao Presidente da República que, “por se tratar de Convenção sobre direitos humanos, os textos sejam encaminhados ao Congresso Nacional com a expressa menção do interesse do Poder Executivo em vê-los incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro (g.n.) com equivalência a emenda constitucional, em consonância com o dispositivo do § 3º do Artigo 5º da constituição da República Federativa do Brasil.”
Somente esse texto foi o suficiente para que a Câmara dos deputados entendesse que o texto poderia ser votado, como foi, diretamente em plenário, ignorando-se o processo legislativo.
Quando da discussão da matéria o deputado João Almeida, diante dessa situação nova,. Manifestou-se, em questão de ordem, da seguinte forma: “Sr. Presidente – Eu quero concluir dizendo a V.Exa. que essa é uma novidade, que nós estamos tratando de uma forma atropelada. Não constituímos Comissão Especial ; vamos para uma votação aqui em dois turnos; não definimos se há interstício; não houve parecer da Comissão de constituição e Justiça; não houve parecer da Comissão de Relações Exteriores, como se faz regularmente nos acordos internacionais. É uma matéria que estamos introduzindo no plenário como uma novidade e sem regulamentação. Estamos decidindo aqui açodadamente sobre a condução da matéria. Haverá outros acordos no futuro, pretendendo a mesma condição de validade de equivalência constitucional”.
O Presidente Arlindo Chinaglia, em resposta, contra argumentou informando que, por ter sido aprovado um requerimento de urgência para a votação da matéria, os “Deputados, os Líderes manifestaram a sua concordância quanto ao mérito e a relevância”(Arlindo Chinaglia), por isto a matéria estaria livre de qualquer procedimento legislativo, podendo ser votada naquela forma. O Deputado João Almeida tentou contra-argumentar, porém, de pronto o Presidente Chinaglia não permitiu, o que levou o parlamentar a apresentar recurso à Comissão de Justiça contra a decisão do Presidente. A matéria seguiu Para a Comissão de Constituição, porém sem o efeito suspensivo. Continuou-se com o processo de votação.
Nesse diapasão, pediu a palavra o Deputado José Carlos Aleluia para uma questão de ordem. Nela questionou o fato de, numa primeira questão: se não houvesse quorum constitucional, a matéria seria considerada aprovada por maioria simples, como sempre aconteceu na votação dos tratados, ao que o Presidente Arlindo Chinaglia respondeu: “Claro”. Ato contínuo o Deputado José Carlos Aleluia: “ E enviada ao Senado?”. Isso , respondeu o Presidente.. Continuou o Deputado José Carlos Aleluia: “na hipótese de haver quorum constitucional, haverá interstício para votar o segundo turno?”. O Presidente afirma que sim, ao que continua o Deputado interlocutor indagando que se for aprovada em dois turnos será feita uma sessão conjunta para a promulgação da emenda constitucional. O Presidente responde que não é emenda constitucional.. Finalmente o Deputado Aleluia esclarece que na proposta vinda então será incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, em equivalência à emenda constitucional, portanto “é uma emenda constitucional na forma proposta pelo Ministro das Relações Exteriores”. Respondendo a esta questão o Presidente da Câmara então avisa que quem vai decidir se a matéria vai para promulgação das duas Casas ou não, se essas condicionantes de aprovação nas duas Casas ocorrer com quorum qualificado, será o Presidente do Senado Federal. E afirmou em bom tom; “Não cabe à Presidência da Câmara dos Deputados tomar essa decisão.” Ato contínuo, informa o Deputado Aleluia: “ Voto contra a tentativa do Ministro de usar o dispositivo do § 3º do art. 5º para, no futuro, trazer convenções que não nos interessam e tentar incluí-las na Constituição. É uma prática nova. O Presidente definiu um rito novo, que, no meu entendimento, não é o mais adequado. Acho que deveria ter sido submetido à Comissão de constituição e Justiça, À Comissão de Relações Exteriores e, só posteriormente ao Plenário.”
Ainda durante a discussão o deputado Zenaldo Coutinho, na condição de Líder de bancada, fez a seguinte comunicação de Liderança: “Sr. Presidente, de maneira muito rápida, mas sem deixar de registrar aspectos que entendemos fundamentais que sejam registrados nos anais da Casa afirmo que temos evidente insegurança jurídica no momento desta votação e não podemos escamotear isso. Primeiro, o § 3º do art. 5º estabelece equivalência constitucional aos tratados e convenções que tratam sobre direitos humanos – ponto. Aí vamos ao art. 59 da CF, no qual se definem quais são os instrumentos legislativos através dos quais podemos deliberar nesta Casa, quais sejam: emenda constitucional, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas. Medidas provisórias, decretos legislativos e, por fim, as resoluções.
Ora, o que vamos votar hoje? Projeto de decreto legislativo, o penúltimo na ordem hierárquica das proposições desta Casa. Contudo, vem o § 3º do art. 5º e diz: “Tratados e convenções de direitos humanos terão equivalência constitucional”. Caberá, aí, entendermos que isso é cláusula pétrea a ser adotada por causa do art. 5º? Penso que não. Nós estamos dando equivalência constitucional de hierarquia, mas para um projeto de decreto legislativo.(grifei)”.
Em contradita o Deputado Maurício Rands afirmou:” Sugiro aos Deputados que não querem dar força normativa a esse tratado que indaguem às entidades representativas das pessoas com deficiência, ao Conselho de Pessoas com Deficiência. Há entidades, Sr. Presidente, que se não tiver força normativa de hierarquia constitucional preferem que a matéria não seja votada neste plenário.” E continua, “Este § 3º veio para pacificar controvérsia existente no supremo Tribunal Federal. Antes, apenas com o § 2º a jurisprudência no Brasil já se dividia; havia parte da jurisprudência e doutrinadores que achavam que o tratado internacional, por ser celebrado no plano internacional, já entrava no ordenamento jurídico, uma vez ratificado pelo respectivo Legislativo como norma de hierarquia constitucional.
Havia controvérsia. Se o Congresso Nacional tivesse dito que o tratado internacional na área de direitos humanos – é o que diz o §3º do art. 5º - seria internalizado no ordenamento jurídico brasileiro como norma constitucional, teria afirmado: será emenda constitucional. Em vez disso, falou: será equivalente à emenda constitucional. Quis o § 3º dizer que é uma norma de hierarquia constitucional, é o plano formal. Nós estamos no plano formal. Tanto não é emenda não tem itinerário da emenda.”
Ainda, na esfera da refutação, tomou a palavra o deputado Leonardo Picciani que afirmou: “ Minha posição não é contra a convenção. Ela se deve ao zelo que devemos ter com a Constituição Federal. Penso que se trata de fato inédito. Não resta dúvida de que o § 3º do art. 5º da constituição abriu a possibilidade de se converter um tratado internacional em norma constitucional. Então precisamos pensar nas implicações que isto tem. São 68 artigos que serão equivalentes a normas constitucionais. São hierarquicamente superiores às normas, às leis complementares, às leis ordinárias, a todas as outras modalidades legais que só têm validade jurídica se entrarem no ordenamento da forma imposta pela Constituição no que tange ao processo legislativo. Por exemplo, quando se tiver um projeto aqui e se for emitir um parecer de admissibilidade ou de constitucionalidade ao projeto, esta Casa vai ter de verificar se colide com o texto da constituição e se não está em desacordo com o texto do tratado. Um tema dessa importância tinha de ter tramitado com mais responsabilidade. Tínhamos de ter instalado a Comissão Especial, cuja criação V.Exa. (Presidente da Câmara) determinou. E essa Comissão teria de debater a fundo, olhado artigo por artigo do tratado, para ver se não ferem conceitos constitucionais consagrados, se não ferem cláusulas pétreas. A dúvida que tenho é se amanhã ou depois poderá uma emenda à Constituição posterior revogar algum artigo desse tratado ou criar uma norma constitucional que se contraponha a alguma norma contida nesse tratado. Eu tenho dúvidas. Acho que não, porque se é cláusula pétrea, nós, como constituintes derivados, não podemos mudar.”
Por fim, cabe a manifestação do Deputado ibsen Pinheiro, feita na oportunidade: “Sr. Presidente, meus colegas, é a primeira vez que venho discutir matéria nestya tribuna. No geral, meu voto é um voto dedicado e fiel à orientação da Liderança> Mas acho que isto está muito além de uma mera questão regimental. É uma questão de fundo o que está em discussão. Não se trata de aprovar ou não, de rejeitar ou não a convenção. Nisto há unanimidade. Todos somos favoráveis. Temos sérias divergências, no entanto, quanto ao rito.
Aponto a realidade regimental e constitucional de que não cabe ao Presidente da República definir a tramitação da apreciação de uma convenção neste plenário. Aliás, o próprio Ministro do Exterior foi mais modesto: sugeriu simplesmente. Vejam os senhores os efeitos da equivalência constitucional – alguns sustentam que equivalência não é igualdade, mas eu me nego a discutir o étimo da palavra, tal é a clareza de equivalência por igualdade, e, se não há equivalência o caso é ainda mais grave.
O art. 5º da Constituição está intitulado em direitos e garantias fundamentais. O art. 60, § 4º, leio:
‘Art. 60 ..............................
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV – os direitos e garantias individuais’
Mas do que uma equivalência, o que aqui se aprovará por três quintos de votos serão cláusulas pétreas, e que estão depositadas com o Secretário-Geral da ONU.
Leio agora o art. 41 da matéria em apreciação: ‘O Secretário-Geral das Nações Unidas será o depositário da presente convenção.’ E, caridosamente, dispõe ainda a proposta, em seu final: ‘Os textos em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo da presente convenção serão igualmente autênticos.’
Estamos então produzindo um texto supraconstitucional, porque pétreo, para aprovar matéria que, por legislação ordinária, assegura nossa participação no comitê com direitos integrais.
Permito-me dar aos colegas um exemplo: Há pouco a ONU aprovou resolução conferindo aos povos indígenas reconhecimento de seus costumes, língua, território e autonomia. Todos os países que têm populações indígenas votaram contra essa resolução, com exceção do Brasil. Canadá, Austrália e Estados Unidos votaram contrariamente, temendo aquilo que hoje se discute: o surgimento de enclaves autonômicos ou pretensamente autonômicos. Sabem o que tranqüiliza nessa resolução que aprovamos na ONU? Ela não tem força de legislação interna em nosso País. Graças a Deus! Não tem força de legislação interna em nosso país. É uma adesão brasileira a convenção internacional. Pois aprovemos a adesão brasileira à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mas preservemos o nosso texto constitucional, que implicou 2 anos de muito trabalho. Agora, querem enxertar com 60 ou 70 dispositivos cuja leitura nem sequer se pôde fazer”.
Ainda nessa mesma sessão, ao responder a uma questão de ordem do deputado Leonardo Picciani, o Presidente da Câmara demonstrou o verdadeiro imbróglio legislativo em que se tornou o exame da matéria.
Indagou o deputado Picciani : “ Sr. Presidente, esta mensagem vem por força do art. § 3º do art. 5º. O art. 5º é uma cláusula pétrea, trata dos direitos e garantias individuais. A pergunta que formulo a V.Exa. : uma vez virando equivalente à emenda à Constituição, a sua revogação seria possível, já que se trata de cláusula pétrea?”, ao que o Presidente Chinaglia respondeu: Isso tem que ser analisado, até porque, veja, não se tem aqui referência, pelo menos de memória, de termos vivido a mesma situação anteriormente. Então vou esclarecer a V.Exa.. Quando o Presidente da República envia uma mensagem, que, na nossa(grifo meu) interpretação, condiciona ao § 3º do art. 5º, e S.Exa. tem competência para tanto, e, como há no art. 5º § 3º, digamos, essa determinação, ainda que no Regimento Interno da Casa não haja a previsão, então estamos de fato navegando por mares nunca dantes navegados. Mas estamos, primeiro, cumprindo o que diz a Constituição; segundo, se alguma proposta não cumprir com as condicionantes,, nós daremos um outro tratamento, e, terceiro, vamos resolver.
Agora, com referência à cláusula pétrea, também cabe interpretação. Por isso, não tenho como responder com segurança à pergunta de V.Exa. e dos Senhores parlamentares, a começar pela CCJ, que V.Exa. presidiu e da qual hoje é um dos seus membros, para que nós agilizássemos o projeto do deputado Coruja (PRC 204;de 2005).
Enquanto isso não ocorrer, nós não votaremos nenhuma outra proposta de projeto de lei que diga respeito a esse § 3º do art. 5º.
Numa última manifestação o Deputado Fernando Coruja, Líder do PPS, este reclamou: “Precisamos disciplinar a forma de tramitar das matérias. Votamos na Casa assuntos de afogadilho, sem prestar atenção ao texto como um todo. Evidente que, para tramitar como equivalente da emenda constitucional, é preciso que a matéria tenha um tratamento especial na Câmara dos Deputados, porque tem influência na hierarquia. À medida que há uma matéria com equivalência constitucional, ela passa a ser hierarquicamente superior a todas as legislações complementares e ordinárias. Por exemplo, uma lei que é superior à legislação do SUS, que é infraconstitucional, passa a ser inferior a essa que estamos inserindo. Por exemplo, quero ver votado no plenário o Pacto de San José da Costa Rica, para que seja transformado em equivalente constitucional. Eu defendo que tenha equivalência constitucional. O Supremo decidiu que esse Pacto entrou no Brasil como lei ordinária. Ele trata do depositário infiel que pode ser preso. É preciso mudar isso. Entendo que ninguém pode ser preso, em nenhum local do mundo, por dívida. Isso só acontecia na antiga Grécia. Na modernidade não pode ser preso o depositário infiel. Eu acho que precisamos pôr esse Pacto aqui para ser votado com este quorum. A tramitação dessas matérias é de alta relevância. Nós temos que discutir, ou vamos mudar a Constituição no grito, a qualquer hora? Chega o que fazemos com as medidas provisórias, com o apoio de certos setores do Governo que esculhambam a constituição a toda hora.”
Por fim, após toda essa discussão a Presidência proclamou o resultado da votação: “sim” 418; “não”, zero; abstenções , 11. Total 429. Foi aprovado p Projeto de Decreto Legislativo nº 563, em primeiro turno, com força de norma constitucional.
Este foi o resultado de uma sessão tumultuada para votar um projeto que, quanto ao mérito era bastante apelativo e que, por isto, atropelou a própria Constituição Federal no que concerne ao ordenamento do processo legislativo.

Conclusão
Em face de todo o exposto, tem-se que o atual mecanismo de apreciação dos tratados e demais compromissos internacionais pelo Congresso Nacional não pode ser estendido aos tratados sobre direitos humanos, aos quais se pretenda conferir status de emenda constitucional, havendo necessidade, salvo melhor juízo, de promulgação de norma regimental específica.
Também não podem ser aplicadas ao caso as vigentes normas regimentais, que regulam a propositura e a tramitação das propostas de emenda à constituição. A título exemplificativo, cumpre notar que é possível a apresentação de emendas às PECs, nas diversas fases de sua tramitação. No entanto, no caso dos compromissos internacionais, a propositura de emendas deve ser analisada com cautela, não sendo raro a ocorrência de casos onde não há possibilidade de alterações no texto pactuado. Nesse sentido, é desaconselhável a aplicação integral das atuais regras que regem as PECs aos tratados sobre direitos humanos.
Assim, com a finalidade de dar plena eficácia ao § 3° do art. 5° da CF, julgamos conveniente conferir prioridade a uma forma de acondicioná-la ao processo legislativo.