sexta-feira, 16 de julho de 2010

A SUPREMA CORTE E O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO: O ATIVISMO E A SUA EFETIVIDADE


A SUPREMA CORTE E O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO: O ATIVISMO E A SUA EFETIVIDADE - COMENTÁRIOS AO PRECEDENTE STA 241- 7 /RJ

Marcos Vasconcelos

A Carta Política de 1988 se compôs de um enorme rol de direitos fundamentais individuais e sociais. Praticamente todos esses direitos fundamentais, à vista da análise do corpo da Carta, não obstante o que determina o seu § 1º do art. 5º ( "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata"), vê-se aí uma dificuldade de harmonização dos dispositivos constitucionais.
Se levarmos em conta o disposto no mesmo art. 5º, inciso LXXI, que trata da concessão do mandado de injunção, "sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania", notaremos que a própria forma analítica e o cunho programático da Constituição Federal, dificultam a tal aplicabilidade imediata em certos casos.
O exemplo acima seria um só da necessidade de processos ou procedimentos para a justa aplicação de direitos fundamentais, o que dá à norma certo cunho da não auto-aplicabilidade em contraponto com a exigência da aplicação imediata.
Estendendo-se tal entendimento para a vida da sociedade, organizada politicamente e que necessita do Legislativo para normatizá-la, nota-se que haverá momentos em que o Legislativo estará incorrendo em mora por conta de certa leniência. Porém, própria prolixidade da Constituição levará a que outros entes de poder tenham que participar ativamente para a sua realização, não necessariamente por responsabilidade do Legislativo, mas pela incapacidade natural de se promover a materialização desses direitos fundamentais.
Isto acorrerá no andar dinâmico do Poder Executivo também, quando normas deixarão de ser aplicadas, ou por uma omissão que chamaríamos de proposital ou por um outro tipo de omissão que chamaríamos de impossibilidade do cumprimento de normas já estabelecidas, por motivos relevantes e independentes da sua vontade.
O que se pode chamar hodiernamente de ativismo do judiciário, sob um dos vários pontos de vista analisados é entendê-lo como uma das formas concretizadoras dos anseios do povo pela efetivação das chamadas normas programáticas instituídas pelo constituinte originário. Esta as colocou nessa dicotomia da garantia imediata do seu cumprimento e da dificuldade dessa implementação prevista por conta da forma elaborada. Isto acontecendo estar-se-á diante de certo travamento das ações do Estado, que não poderá prescindir da atuação do seu outro Poder, o Judiciário, para realizar, dizendo do direito, a implementação das políticas públicas.
Partindo-se dessa importante premissa chega-se à questão do déficit do Estado na implementação de políticas públicas. Ao se deparar com essa situação entra-se na discussão das responsabilidades de sua implementação. Ora, tem-se o Poder Executivo como responsável pela não implementação, ora tem-se o Poder Legislativo. O primeiro reclama da morosidade do segundo que, por sua vez debita à conta do primeiro um excesso de demanda que acaba por trancar a sua pauta de votações, inviabilizando a votação de proposições importantes para oxigenar o Texto Constitucional, mormente no trato dos direitos fundamentais. Destarte, diante dessa situação, a saída que se tem encontrado é a da tutela jurisdicional.
Dentre os direitos sociais que se encontram colacionados no Texto Constitucional, estão aqueles que, abrangendo os direitos individuais, reclamam a tutela do Estado para a sua efetivação e aplicação.
Assim pode-se dizer do direito à educação que abrange todos os pressupostos acima delineados. Eles estão insertos do art. 205, da Constituição Federal, in fine:
"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
É, sem dúvida, um dispositivo constitucional que tem caráter de norma de aplicabilidade imediata, pois perpassa por todas as condições impostas pelo §1º do art. 5º da Constituição Federal, porém carece do apoio a ser buscado nos orçamentos públicos para a sua plena efetivação.
Há, no município de Queimados/RJ, um déficit de professores da rede estadual de ensino, o que tem levado prejuízo a quase um milhar de estudantes. A situação permanece já por tempo suficiente para que seja relevante uma tomada de decisão em defesa da sociedade local.
Tal fato deu origem a uma ação civil pública, proposta pelo Ministério Público de Queimados/RJ, fundamentada nos artigos 205 e 214 da Constituição Federal, que asseguram o direito à educação; na Lei nº 9.394/96 – LDB, que ampliou o direito à educação, bem como no Estatuto da Criança e do adolescente – ECA, que o consolidou. Ao propor a ação, o Ministério Público sustentou que a "educação é o primeiro e o mais importante dos direitos sociais, um valor de cidadania e dignidade da pessoa humana, essencial ao Estado Democrático de Direito e condição para a realização dos ideais da República". Assim, determinou aquele Juízo a imediata supressão do déficit do número de professores, obrigando o Estado do Rio ao seu cumprimento, aplicando-lhe ainda multa diária pela mora na hipótese de descumprimento de ordem judicial, fixada pelo juiz em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
A decisão do Juiz de Queimados/RJ vem sofrendo contestação, sucessivamente, pelo Governo do Estado do Rio no Tribunal de Justiça do RJ - da decisão mencionada o Governo do Estado do Rio interpôs Agravo de Instrumento junto ao Tribunal de Justiça daquele Estado (AI nº 2007.002.32900), no STJ e, agora, no STF.
A 2ª Câmara Cível do TJ, ao julgar o mérito do recurso, deu-lhe provimento parcial, porém apenas para prorrogar o prazo estabelecido na liminar para o ano letivo de 2008. Em seguida a mesma Câmara negou embargos de declaração opostos pelo governo do Rio. Este então interpôs RE, que ainda aguarda juízo de admissibilidade para chegar ao STF.
Enquanto aguarda essa decisão, o Estado do Rio pediu ao STF a Suspensão de Tutela Antecipada (STA), argumentando lesão às finanças públicas, sustentando que a ordem do juiz de Queimados somente poderia ser cumprida com a contratação de professores novos, por concurso público, o que demandaria tempo e dinheiro, ou mediante deslocamento de professores de outros municípios e isso comprometeria a prestação do serviço nas localidades atingidas.
Alega o Estado do Rio que, por falta de previsão orçamentária, pela exigüidade do prazo para a efetivação da medida, o cumprimento de tal sentença acarretará em lesão à economia pública estadual. Alega ainda que tal sentença, por tudo isso, ofende o princípio da reserva do possível e o princípio da separação dos Poderes.
Ao STF chegou a STA nº 241- 7, Rio de Janeiro. Ali se discutia a decisão do Juiz de Queimados/RJ, já agora transformada em acórdão proferido pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RJ. Este acórdão deu provimento ao AI 2008.002.02378, tão somente para prorrogar o prazo da eficácia da decisão para o início do ano letivo de 2008, mantendo nos seus demais termos a decisão proferida pelo Juízo de Primeira Instância.
A decisão impugnada manteve liminar concedida na ação civil pública nº 2007.067.001221-2, do Juizado da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Queimados/RJ, que assim determinou:
" (...) os documentos mencionados, portanto, indicam a probabilidade do direito afirmado na exordial, pois, a princípio, informam a ausência ou insuficiência do número de professores nas unidades da rede estadual de ensino localizadas neste município. O periculum in mora, por sua vez, decorre da ausência do serviço, o que faz com que as crianças e adolescentes permaneçam sem aulas.
(...) vale registrar que o pedido antecipatório refere-se aos alunos da rede pública de ensino, em relação aos quais já se presume a necessidade econômica, ressaltando tratar-se de comarca com população, em sua maioria, de poucos recursos. Negar a essas crianças e adolescentes o direito à educação é retirar-lhes a expectativa de vida digna, mormente se os demais direitos já lhes são escassos.
(...)Pelo exposto, DEFIRO O PEDIDO ANTECIPATÓRIO para determinar que o estado do Rio de Janeiro preencha o quadro de professores da rede estadual de ensino do Município de Queimados de modo a suprir a carência indicada no documento de fl. 162, no prazo de 10 dias, sob pena de incidência de multa diária de R$ 20.000.00 (vinte mil reais)."
Na ação civil pública, argumentou-se que o número insuficiente de professores lotados nas escolas da rede estadual, em Queimados/RJ, trás evidente prejuízo aos alunos e responsabiliza por isso o Poder Executivo Estadual. Foi concedida a liminar com base nos arts. 3º, 205 a 214 da Constituição Federal, além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o consolidado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Contra essa decisão houve recurso de agravo de Instrumento junto ao Tribunal de Justiça do rio de Janeiro.
"Agravo de Instrumento. Tutela Antecipada.Verbete nº 59 da Súmula deste Tribunal. Contratação de Professores. Atuação do Judiciário na implementação de políticas públicas. Reforma de decisão agravada somente em caso de teratologia, ilegalidade ou não-observância da prova dos autos. Pronunciamento que não se enquadra em qualquer dessas hipóteses. Preliminar de ilegalidade ativa rechaçada, pois incumbe ao Ministério Público a defesa dos direitos transindividuais indisponíveis, dentre os quais se insere o direito à educação. Inteligência do art. 127, caput, da Constituição. Precedentes do STJ. Direito à educação, erigido diretamente da constituição Federal, que impõe a contratação de professores a fim de suprir a carência de material humano que acomete a rede de ensino fundamental e, indiretamente, obstaculiza a fruição do direito subjetivo fundamental desnecessidade de interposição legislativa. Inteligência dos arts. 5, § 1º e 2º, 6º, 205 e 208, Inciso I. e § 1º da Lei Maior. Aplicabilidade imediata das normas difinidoras de direitos fundamentais, que não se compadece com a alegação de ausência de fonte de custeio. A reserva do possível não pode servir de escusa ao descumprimento de um mandamento fundado em sede constitucional, notadamente quando acarretar a supressão de direitos fundamentais, em atenção ao mínimo existencial e ao postulado da dignidade da pessoa humana. Precedentes do STF e deste Tribunal. Astreinte consentânea como princípio da razoabilidade e com as peculiaridades do caso concreto. Prazo para cumprimento do mandamento jurisdicional que, todavia, deve ser dilatado, eis que, já encerrado o ano letivo. Recurso provido, em parte, para prorrogar o prazo estabelecido pelo decisum até o início do ano letivo de 2008."
Não satisfeito o Estado do Rio opôs embargos de Declaração, recurso que foi improvido. O Estado então interpôs Recurso Extraordinário, que aguarda juízo de admissibilidade.
Ouvida, a Procuradoria-Geral da República opinou pelo parcial deferimento do pedido, retirando-se a obrigação da multa, pois essa acarretaria "Periculum in mora inversa", já que o ônus do seu pagamento sobrecairia na coletividade, por isso devendo ser obstada.
Em consubstanciada decisão , o Ministro Gilmar Mendes, informa que no presente caso discute-se possível colisão entre o princípio da separação dos poderes, concretizado pelo direito daquele Estado definir discricionariamente a formulação de políticas públicas voltadas à educação e a proteção constitucional dos direitos das crianças e dos adolescentes, e o dever do estado de prestar os serviços de ensino de forma gratuita e com qualidade. Quanto ao analisado cita aquele Juiz o disposto nos arts. 205, 208, 210 e 227 da Constituição Federal como fundamento.
O direito fundamental à educação é tão relevante para a infância e a juventude, que a Constituição tratou de positivá-lo de maneira bem pormenorizada, ampla e igualitária para todos os cidadãos. Assim é que, no plano constitucional, as diferenciações que se fazem entre as crianças e os adolescentes, estão só ligadas à conformação estrutural especial, tão inerentemente ligada ao pleno desenvolvimento da personalidade infanto-juvenil.
Não apenas o direito à educação está inserido no rol do artigo 6º da CF, com vem referido como "direito de todos" no caput do art. 205. Baixando ainda ao detalhe, nos moldes do art. 208 da CF, o ensino fundamental é gratuito e universalmente assegurado, sendo garantido o seu acesso àqueles que não o tiveram na idade própria, e com pleno grau de subjetivização, como se denota do § 1º do mesmo artigo. Informa ainda o seu § 2º que o não-oferecimento do ensino pelo poder público ou sua oferta irregular, importa em crime de responsabilidade da autoridade competente, pena maior do que a multa, obviamente.
Continua o Ministro Relator em seu parecer:
"Parece lógico, portanto, que a efetividade do direito ao ensino fundamental obrigatório e gratuito, especialmente para crianças e adolescentes, não prescinde de ação estatal positiva no sentido da criação de certas condições fáticas, sempre dependentes dos recursos financeiros de que dispõe o estado, e de sistemas de órgãos e procedimentos voltados a essa finalidade.
De outro modo, estar-se-ia a blindar, por meio de um espaço amplo de discricionariedade estatal, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade, caracterizando-se típica hipótese de proteção insuficiente por parte do Estado, num plano mais geral, e do Judiciário, num plano mais específico."
Ainda, no relatório no Ministro Mendes encontram-se sinais fortes do ativismo judiciário:
"Nesse sentido, o argumento central apontado pelo Estado do Rio de Janeiro reside na violação ao princípio da separação de poderes (art. 2º, CF/88), formulado em sentido forte, que veda a intromissão do Poder Judiciário no âmbito de discricionariedade do Poder Executivo estadual." Explica então que, hodiernamente, tal princípio para ser compreendido de modo constitucionalmente adequado, "exige temperamentos e ajustes à luz da realidade constitucional brasileira, num círculo em que a teoria da constituição e a experiência constitucional mutuamente se completam." Por isso, a alegação de grave lesão à ordem pública inexiste. Também a violação à separação dos Poderes não justifica a inércia do Poder Executivo estadual em cumprir seu dever constitucional de garantia do direito à educação e dos direitos da criança e do adolescente na forma comandada, prioritária e absoluta pelo texto constitucional.
Ao mencionar o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Ministro deixa claro que ali está expresso, em seu art. 4º, em razão da absoluta prioridade determinada pela constituição, o dever do Poder Executivo de dar primazia à consecução daquelas políticas públicas e ressalta que, em obedecendo o preceito desse dispositivo legal, não há que se falar em falta de recursos orçamentários, pois o Estado deve obedecer a essa primazia na feitura dos seus orçamentos tratando como alta a prioridade de destinação orçamentária específica.
Reforça que os comandos constitucionais vinculam os orçamentos no que diz respeito à formulação orçamentária estadual.
Ainda, quanto à prioridade orçamentária para o atendimento das necessidades resultantes do ensino obrigatório, o art. 212 da CF, que assegura percentuais mínimos da receita dos entes da Federação para a educação é parâmetro para a negatória do argumento à lesão das finanças públicas, quanto à contratação de novos professores para a tender à demanda daquele município, contraditando a alegação do princípio da reserva do possível, para o atendimento da ordem judicial. Com relação a esse pressuposto a Constituição não deixou dúvidas sobre o comando do seu art. 212 , § 3º:
"Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
...........................
§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação.
............................
§ 4º a educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei."
Ora, se o Estado está obrigado constitucionalmente e legalmente a implementar as políticas públicas destinadas às crianças e aos adolescentes, especialmente às de educação, tem ele que, antes de gastar com qualquer outra área, assegurar os recursos para a educação, deixando sim outros tipos de gastos, talvez, sujeitos à impossibilidade levando-se em conta o princípio da reserva do possível.
O Ministro agrega ainda ao seu relatório os compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil no âmbito internacional. Cita o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto n. 591/92), que estabelece em seu art. 13 o compromisso dos estados signatários em assegurar o pleno exercício do direito à educação.
Vai além: "A Declaração Mundial sobre Educação para Todos, firmada na Tailândia em março de 1990, compromete o Brasil à elaboração do Plano Nacional de Educação. O artigo 214 da Constituição determina que a lei estabeleça o Plano Nacional de Educação nos seguintes termos:
"Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à:
I – erradicação do analfabetismo;
II- universalização do atendimento escolar;
III – melhoria da qualidade de ensino;
IV – formação para o trabalho;
V – promoção humanística, científica e tecnológica do País."
Informa o Ministro Mendes que a decisão impugnada está em plena consonância com a jurisprudência do STF, a qual firmou entendimento, em casos semelhantes ao analisado, de que se impõe ao Estado a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem concretamente a efetiva proteção de direitos assegurados pela Constituição, com prioridade alta. E aí colaciona: o direito à educação infantil e os direitos da criança e do adolescente.
Realça o julgamento do AI 677.274/SP, 2ª T. Rel. Celso de Mello, DJ 30.09.2008. Dá destaque ao seguinte trecho:
"[...] – a educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. – Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
- Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional.[...]"
Conclui o Ministro em sua decisão que não resta dúvida com relação à possibilidade jurídica de determinação judicial para o Poder Executivo concretizar políticas públicas constitucionalmente definidas, quando o comando constitucional exige, "com absoluta prioridade", o oferecimento do ensino obrigatório, de acesso universal e gratuito, inserto de maneira clara e definida na Constituição no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de diretrizes e Bases da Educação. Afirma: "As peculiaridades históricas e sociais brasileiras determinam que, ao se completam 20 anos da promulgação da constituição de 1988, os poderes do Estado, vinculados aos comandos constitucionais, não meçam esforços para garantir a concretização do direito fundamental à educação (...). O Poder Legislativo, igualmente vinculado às normas constitucionais relativas à educação e aos direitos das crianças e adolescentes, deve verificar se forma efetivamente alocados os recursos públicos indispensáveis para a concretização destes direitos."
Diante do fato de não haver prova nos autos que justifique a falta de professores em Queimados e, na hipótese, constatado o oferecimento irregular do ensino obrigatório pelo Estado do Rio, tal ato deve ser coibido , portanto, o Poder Judiciário não está criando políticas públicas, nem usurpando a iniciativa do Poder Executivo, ao obrigar o Estado a cobrir esse déficit constitucional.
Cabe ressaltar as alegações do autor da ação civil pública:
"Na hipótese em julgamento, resulta inafastável que a inércia do Poder Público na contratação de professores culmina por obstaculizar, ainda que de forma oblíqua, a fruição do direito fundamental assegurado na Carta Magna, a evidenciar situação de inaceitável omissão governamental e fraude à vontade constitucional, passível, portanto, de sanatória pelo Poder Judiciário."
No mesmo sentido, destaca o Ministro em sua decisão o parecer da Procuradoria-Geral da República:
"Na espécie, os autos demonstram que o número de professores da rede estadual de ensino que prestam serviço no município de Queimados é insuficiente, mostrando-se necessária a atuação do Poder Judiciário no sentido de compelir a administração pública a dar concretude aos comandos constitucionais pertinentes, de forma a tornar efetiva a prestação dos serviços educacionais em favor das crianças e adolescentes daquela coletividade."
Ao final o Ministro Presidente mantém a determinação para que o Estado restabeleça o serviço de ensino, preenchendo o quadro de professores da rede estadual no município de Queimados, de forma a garantir que todos os estudantes recebam o serviço educacional.
Da Decisão do Ministro Mendes, no que concerne a hipotética violação da separação dos poderes quando o Poder Judiciário determina ao Poder Executivo estadual o cumprimento do dever constitucional específico, no caso, oferecimento de condições para a prestação do serviço de ensino fundamental, não há que se falar senão que a determinação é da própria Constituição, em razão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 208, § 1º, CF/88).
Também há que se buscar, na própria decisão do Ministro a citação que este faz dos ensinamentos de Cristian Courts e Victor Abramivich (ABRAMOVITCH, Victor; COURTS, Cristian, Los derechos sociales como derechos exigibles, Trotta, 2004. p. 251, apud Gilmar Mendes):
"Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de diseñar políticas públicas, sino la confrontar El deseño de políticas asumidas com los estándares jurídicos aplicables y – em caso de hallar divergências – reenviar la cuestión a los poderes pertinentes para que ellos reaccionen ajustando se actividad em consecuencia. Cuando las normas constitucionales o legales fijen pautas para El diseño de políticas públicas y los poderes respectivos no hayan adoptado ninguna medida, corresponderá AL Poder Judicial reprochar esa omisíon y reenviarles la cuestión para que elaboran alguna medida."
Quando se fala em omissão do legislador e que tal fato incorre na interferência do Judiciário para que se promova o direito, há que se falar também na mora do Poder Executivo, quando este deixa de aplicar as políticas públicas determinas pela Constituição e pelas Leis.
O caso apresentado é verdadeiro exemplo de omissão do Poder Executivo estadual que ignorou um direito fundamental social ao deixar de atender à demanda educacional por falta de professores.
Embora estejam latentes as reclamações do Legislativo quanto ao que aquele Poder chama de "intromissão" do Judiciário em sua seara de legislar positivamente, inclusive contra-argumentando por vezes que, devido ao sem-número de processos parados no Judiciário, talvez fosse o caso de o Legislativo passar a cobrar e deliberar sobre esse passivo (palavras do deputado Ibsen Pinheiro-PMDB/RS), em meio a esse imbróglio, percebe-se que o ativismo do judiciário encontra cada vez mais força, no papel da busca de soluções para a sociedade, sempre calcado na base constitucional.
Este caso agora estudado, futuramente será mais um precedente para que o tema, depois de reiteradas vezes discutido, transforme-se em súmula vinculante, pacificado que já está pelo Supremo.
Na questão das omissões, está para o Executivo a mesma questão do Legislativo, quando o assunto for Omissão. Caberá, cada vez mais ao Judiciário, via ativismo, regular as relações desses entes com a sociedade, aprimorando sempre o entendimento das normas com o olhar na CF

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